sexta-feira, 29 de maio de 2009

Pedágio é serviço público amparado pelo Código Defesa do Consumidor?

Autoria: Amanda Abnader Machado

O sistema de pedágio se constitui na cobrança de tarifas dos usuários de determinadas rodovias, com o objetivo de investir na manutenção e segurança das mesmas.
A prestação deste serviço possui a natureza pública, logo, a sua execução caberia ao Estado. No entanto, com o objetivo de se focar na efetivação de serviços essenciais e por sua vez, desafogar a denominada “máquina pública”, verificou-se a necessidade de delegar à iniciativa privada certas tarefas, em razão de sua melhor capacidade de realização.
Com o advento da CF/88, surgiu o instituto da concessão, o qual viabiliza a prestação de um serviço público por uma pessoa jurídica .
Segundo Diogenes Gasparini:

“Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço, que lhe é privativo, a terceiro que para isso manifeste interesse e que será remunerado adequadamente mediante a cobrança, dos usuários, de tarifas previamente por ela aprovada.”

A sua regulamentação surgiu com a lei nº. 8.987/95, abolindo qualquer espécie de concessão sem prévia licitação.
O conceito de concessão é de suma importância para a questão em voga, pois o serviço de pedágio no Brasil é delegado na maioria das vezes a um ente de direito privado.
No mais, independente do serviço de pedágio ser executado pelo Estado ou por uma concessionária, o que se discute é a existência de uma relação de consumo entre estes e os usuários.
Ora, ao se analisar o teor dos artigos 2º. e 3º. do CDC, que determinam os conceitos de fornecedor e consumidor, constata-se que as partes da relação exposta acima se enquadram nestas definições, o que por si só já garante a proteção por esta legislação.
Rizzato Nunes, em sua obra Curso de Diteito do Consumidor, reitera a assertiva mencionada:

‘O CDC, no art. 3º, como dito, incluiu no rol dos fornecedores a pessoa jurídica pública (e, claro, por via de conseqüência, todos aqueles que em nome dela – direta ou indiretamente – prestam serviços públicos), bem como ao definir “serviço” no § 2º do mesmo artigo, dispôs que é qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, excetuando apenas os serviços sem remuneração ou custo e os decorrentes das relações de caráter trabalhista.’

Cabe ressaltar, que o art. 22 do referido diploma legal corrobora o amparo dado aos usuários deste tipo de serviço, não excluindo os casos em que a prestadora é uma concessionária:

“Art.22 – Os órgãos públicos, por si ou suas empresas concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços, adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.”

Deste conceito, se consolida a existência de uma relação de consumo e conseqüentemente a proteção dada aos usuários do serviço de pedágio pelo Código do Consumidor, tanto quando o agente executor é o próprio Poder Público ou quando através da concessão, é uma pessoa de direito privado.
O ilustre autor mencionado destaca a importância deste dispositivo:

‘No art. 22, a lei consumerista regrou especificamente os serviços públicos essenciais e sua existência, por si só, foi de fundamental importância para impedir que os prestadores de serviços públicos pudessem construir “teoria” para tentar dizer que não estariam submetidos às normas do CDC.’

Neste sentido, temos os seguintes julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO COM CAVALO EM RODOVIA PEDAGIADA. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO ANIMAL. ART. 936 DO NCCB. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA FUNDAMENTADA NO CDC E NA TEORIA DO RISCO. DEVER DE INDENIZAR. COMPROVAÇÃO DOS DANOS. A responsabilidade do proprietário por prejuízos causados pelo seu animal é objetiva, na forma do art. 936 do NCCB. É inaplicável a responsabilidade objetiva típica das concessionárias de serviço público para a hipótese de danos decorrentes da falha do serviço prestado pela concessionária de rodovia pedagiada. Essa hipótese, inaplicável ao caso em tela, respeita à responsabilidade extracontratual objetiva da Administração Pública ou de quem lhe esteja fazendo as vezes em face de terceiros caracterizados pela ausência de vínculo preexistente com o Estado. No caso de rodovia pedagiada, o usuário não pode ser equiparado a terceiro justamente porque estabelece relação contratual, configurando vínculo preexistente, ao pagar o pedágio. Assim, a responsabilidade da concessionária deve ser aferida segundo o CDC, como já reconheceu o STJ. A invasão de cavalo na rodovia cuida de fato do serviço, regulado no art. 14 do CDC, o que torna a responsabilidade da concessionária objetiva. A referida invasão decorreu unicamente da desídia fiscalizatória da concessionária, que, por isso, deve responder por sua conduta. Justifica também a responsabilidade da concessionária a teoria do risco, segundo a qual aquele que colhe os bônus de uma atividade lucrativa deve responder pelos ônus dela decorrentes independentemente de ter agido com culpa. Os danos comprovados pelo autor e que devem ser ressarcidos pelos réus respeitam ao conserto da sua Kombi, representado por nota fiscal, e aos danos emergentes comprovados mediante recibo e relativos à contratação de fretes individuais pelo autor, que é comerciante, para o transporte de produtos adquiridos na CEASA. A desvalorização do seu veículo não restou minimamente comprovada, e o dano moral inexiste, porquanto ausente qualquer lesão a atributo da personalidade do autor. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71001623479, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Maria José Schmitt Santanna, Julgado em 16/07/2008)
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO OCORRIDO EM RODOVIA PEDAGIADA DECORRENTE DE EXISTÊNCIA DE ANIMAIS NA PISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA QUE TEM O DEVER DE RESSARCIR OS DANOS CAUSADOS. POSSIBILIDADE DE A CONCESSIONÁRIA SER DEMANDADA PERANTE O JUIZADO ESPECIAL. 1. Concessionária de serviços públicos não é pessoa jurídica de direito público, podendo ser demandada perante o Juizado Especial. 2. A existência de animais sobre a pista não pode ser considerada culpa exclusiva do seu detentor, quando se está diante de rodovia concedida à exploração. Cumpre à concessionária adotar as medidas necessárias à segurança daqueles que pagam o valor do pedágio para ali transitarem, cabendo-lhe não só o bônus da concessão, mas também assumir os ônus daí decorrentes. Ocorrendo o acidente, decorrente da insatisfatória prestação dos serviços concedidos, subsiste o dever de indenizar, impondo-se à concessionária e não ao usuário dos serviços ¿ buscar o direito de regresso junto ao proprietário do animal. 3. A ré, concessionária de serviço público, assumiu a obrigação de prestar serviço adequado, eficiente e seguro (artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor CDC), só ficando exonerada do dever de indenizar na hipótese de comprovar, de maneira inequívoca, as situações elencadas no artigo 14, § 3º, do CDC, o que não restou evidenciado. Mostra-se devida a indenização pelos danos materiais causados, na medida em que devidamente quantificados e comprovados pelos orçamentos juntados pela parte autora (fls. 07/10), afastando-se a pretensão relativa aos danos morais. Não demonstrada a propriedade dos animais, atribuída à co-demandada, não há lugar para reconhecer-se a solidariedade passiva. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente a ação. (Recurso Cível Nº 71001332493, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado em 19/09/2007)
Compartilhando dos mesmos posicionamentos, destacam-se os julgados do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo:

"EMENTA ACIDENTE DE TRANSITO - ANIMAL NA PISTA - OBRIGAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA EM INSPECIONAR A RODOVIA NÃOCOMPROVADA - RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA RESPONSABILIDADE OBJETIVA - INDENIZAÇÃO DEVIDA.
Conforme jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, as concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários, estão subordinadas à legislação consumensta. Portanto, respondem, objetivamente, por qualquer defeito na prestação do serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos, respondendo, inclusive, pelos acidentes provocados pela presença de animais na pista " (APELAÇÃO CÍVEL N° 912 942-0/9, Rel. Des. MENDES GOMES, D.J 28-07-2008)

“EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. Animais na pista Rodovia Presidente Dutra Concessionána do serviço público. Cerceamento de defesa. Não ocorrência Responsabilidade objetiva. Eventual ilicitude de terceiros não exclui a responsabilidade pelos danos causados no veículo do autor ao colidir com animais bovinos na pista de rolamento. Defeito na prestação do serviço. Relação de consumo. Inteligência do artigo 22 do CDC e Lei n° 8 987, de 13-02-1995. Dever de ressarcimento dos danos materiais comprovados. Indenização por dano moral afastada. Motorista profissional que trabalha com caminhão de 'reboque'. Transtornos que não extrapolam os limites da razoabilidade Mantida indenização por dano material, estimada em R$ 2 749,00 e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação Recurso da ré provido em parte (APELAÇÃO CÍVEL N° 802.792-5/9-00, Rel Des. EDSON FERREIRA DA SILVA. D.J 23.09.2008)

Desta feita, verifica-se que o serviço de pedágio é amparado pelo Código de Defesa do Consumidor, possuindo esta afirmativa um fundamento legal, doutrinário e jurisprudencial.
Além do mais, a proteção dada aos usuários deste tipo de serviço não é somente advinda do CDC, pois a Carta Magna e o Código Civil também a proporcionam.
A proteção constitucional possui fulcro no artigo 37, § 6 , que preleciona que toda pessoa jurídica de direito público ou privado que preste serviço público responderá pelos danos causados a terceiros, pois é seu dever executá-lo de forma eficiente.
E na esfera civil, os usuários estão protegidos pelo instituto da responsabilidade civil, que através do art. 927 do Código Civil, garante que o dano originado de ato ilícito deve ser reparado por quem o causou.
Todavia, é evidente que a proteção pelo Código do Consumidor se constitui mais eficaz, visto que o art. 14 desta lei assegura a reparação sem a necessidade de provar o elemento culpa.

Referências Bibliográficas

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva: 2007.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

Notas

1. Art. 175 Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
2. Art.2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
“Parágrafo Único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
3. Art.3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
4. Art.37§6 da CF/88 – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
5. Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
6. Art.14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.





quarta-feira, 20 de maio de 2009

Coisa Julgada

Autoria: Maria Angélica Moraes da Silva

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A COISA JULGADA


O princípio da segurança jurídica consiste no “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e seus fatos a luz da liberdade reconhecida”. Assim, o valor da segurança jurídica está especialmente relacionado com a necessidade de assegurar a estabilidade dos direitos subjetivos de cada cidadão.
Diante destas premissas, podemos afirmar que, quando uma pessoa provoca o Estado-juiz, há a presunção de que o litígio seja analisado e julgado, sendo garantido pela Constituição Federal que o processo será regido com imparcialidade pelo magistrado, que será dado o direito de resposta às ações praticadas pelas partes, e que aquilo que foi determinado, após o trânsito em julgado da decisão, será respeitado.
O princípio de proteção à confiança3, assim, é o mínimo de previsibilidade que o Estado de Direito necessita oferecer ao cidadão, concernente às normas de convivência que este deve observar e qual delas poderá utilizar para travar relações jurídicas válidas e eficazes.
Além disso, o decisum emitido pelo Poder Judiciário deve exprimir confiança a quem o procurar para resolução do litígio, configurando que há a prática do princípio da moralidade, boa-fé e da lealdade.
Destarte, a segurança jurídica é o mínimo preciso de previsibilidade que o Estado deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes, de modo a ter garantida a proteção dessa relação.
O art. 5º, XXXVI da nossa Carta Magna, que implicitamente contém o princípio da segurança jurídica, protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Neste artigo, nos será importante levantar a questão sobre a proteção dada pelo referido artigo à coisa julgada.

COISA JULGADA

A coisa julgada é, de certo modo, um ato jurídico perfeito. Dessa forma, sua proteção já estaria sendo realizada pelo inciso XXXVI do artigo 5º quando da proteção deste último, mesmo que não fosse expressamente prevista. No entanto, o constituinte, diante da relevância da coisa julgada para a teoria da segurança jurídica, contemplou a proteção expressamente para o instituto.
Essa garantia constitucional à coisa julgada, além do que é disciplinado pelo ordenamento infraconstitucional, recebe legitimidade política e social, uma vez que conferem segurança as relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.
Deve ser destacado, no entanto, que a produção da decisão definitiva, a sua imutabilidade concedida através da coisa julgada, bem como o tempo que se leva para o alcance daquele fim (princípio da celeridade processual), carecem estar em pleno equilíbrio com a ponderação, para a produção de julgados justos. Destarte, o processo deve ser realizado de modo a produzir resultado justo, tão logo quando possível, sendo a decisão coberta pelo manto da coisa julgada.
Acrescenta Chiovenda, e com ele grande parte da doutrina, que a sentença é a afirmação da vontade da lei aplicada ao caso concreto. Na sentença há a afirmação, de modo concreto, da vontade contida na lei. Assim, o preceito contido na sentença é a afirmação da vontade da lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado.
O instituto da coisa julgada, por sua vez, é o grau máximo de estabilidade dos atos estatais, sendo definida por parte doutrina como a imutabilidade do conteúdo da sentença e de seus efeitos. Há, no entanto, doutrinadores que entendem que a coisa julgada recai apenas sobre o conteúdo da sentença.
Diante disto, a sentença, como vontade da lei sendo aplicada ao caso concreto, quando acobertada pela coisa julgada não mais poderá sofrer transformações, a princípio. A ressalva apresentada se dá em razão da coisa julgada, ainda que seja verdadeira autoridade de lei entre as partes, poder ser ameaçada pela propositura de Ação de Revisão Criminal no juízo criminal ou de Ação Rescisória no juízo cível.
Essa possibilidade de nova análise, dentro das hipóteses das ações de rescindibilidade de decisão final, faz-se necessária para que o ordenamento garanta a segurança de indiscutibilidade de sentença que não mais tem o que ser proposto contra ela após determinada sua imutabilidade.
O valor que penetra a coisa julgada como instituto é o do princípio da segurança nas jurídicas, gerando a estabilidade necessária ao nosso sistema jurídico, estabilidade que o mesmo não pode se desfazer.
Quanto à natureza do instituto da coisa julgada há na doutrina três entendimentos a ser destacados: o que considera a coisa julgada uma qualidade; outro que entende ser ela um efeito; e por fim, que entender ser a coisa julgada uma situação jurídica.
A doutrina encabeçada por Liebman considera que o instituto da coisa julgada é a qualidade que a sentença adquire depois de transcorrido o trânsito em julgado, tornando-se indiscutível e imutável.
Outra corrente doutrinária, porém, afirma ser a coisa julgada um efeito da sentença. No entanto, tal teoria possui como principal crítica o fato de que a imutabilidade e indiscutibilidade concebida a sentença quando coberta pelo manto da coisa julgada não é algo co-natural, e sim uma opção legislativa.
A última doutrina a ser apresentada é a que defende ser a coisa julgada uma situação jurídica. Isto porque, com o trânsito em julgado da sentença, surge uma nova situação, anteriormente inexistente, que seria a indiscutibilidade e imutabilidade que a sentença passa a ter.
No entanto, nos parece acertado dizer que a corrente mais coerente é a que defende ser a coisa julgada uma qualidade da sentença, uma vez que esta passa a ter a predicado da imutabilidade e da indiscutibilidade.
O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 467 que se denomina coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Diante do dispositivo podem ser retiradas algumas conclusões: influenciado o legislador pela teoria de Liebman, o referido código distingue a coisa julgada material da formal; diante desta distinção, apenas a coisa julgada material é protegida pelo condão da imutabilidade.
Deve ser esclarecido que não há dois institutos independentes, quais seja a coisa julgada formal e a material. Em verdade, trata-se do mesmo instituto, mas sob aspectos distintos, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas.

a) COISA JULGADA FORMAL

A coisa julgada formal pode ser conceituada como a sentença que não é mais suscetível de reforma por meio de recursos, depois de decorrido o seu trânsito em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. A coisa julgada formal consiste, assim, em um fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos, pondo fim aos processos.
Isto significa dizer que, quando estiverem esgotados os recursos previstos em nosso ordenamento, seja porque houve perda do prazo para sua interposição, seja porquetodos os recursos cabíveis foram utilizados e julgados, ocorrerá a coisa julgada formal, sendo em verdade, o encerramento da relação processual.
Diante desta definição cabe destacar que as sentenças processuais, que extinguem o processo sem o julgamento do mérito, alcançam apenas o patamar da coisa julgada formal, não tendo o condão portanto de produzir efeitos extraprocessuais.
A coisa julgada formal por torna imutavel a decisão, como ato processual, é condição prévia para que a coisa julgada material ocorra.

b) COISA JULGADA MATERIAL

Ao seu turno, a coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, não importando se a sentença foi procedente ou improcedente, se constitutiva, condenatória ou declaratória, pois no momento em que não for mais possível a interposição de recursos, entre as partes que tiveram seu litígio julgado, surge uma situação de grande firmeza quanto aos direitos e obrigações envolvidos no litígio. Esse status transcende o próprio processo, atingindo as pessoas e sua realidade.
Esta questão não se trata de imunizar a sentença como ato jurisdicional, mas seus efeitos que se projetam para fora do processo e atingem as pessoas em suas relações – Candido Rangel acrescenta que daí advém à grande relevância social do instituto da coisa julgada material que a lei constitucional e processual civil protege.
Tanto é verdade de que a coisa julgada material transcende para fora do processo, que nenhuma lei posterior tem o condão de modificar aquilo que ficou decidido e que por ela foi acobertado, por representar um núcleo imodificável, ou imutável segundo doutrina Liebman.
Em revisão sobre a questão temos que: a coisa julgada material é a imunidade dos efeitos da sentença, como já salientado anteriormente, que acompanha as partes interessadas, ainda que findo o processo. Por seu turno, a coisa julgada formal é o fenômeno interno do processo, tendo-se a sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.

c) DISTNÇÃO ENTRE A COISA JULGADA NA ESFERA PENAL E NA ESFERA CÍVEL

Assim, transitada a sentença penal condenatória em julgado fica esta coberta pelo manto da coisa julgada. Entretanto, como já ressalvado, a coisa julgada na esfera penal tem a possibilidade rescindibilidade de Ação de Revisão Criminal, que conforme preceitua o Código de processo Penal, pode ser proposta a qualquer tempo, não sendo considerada por alguns autores como uma coisa julgada soberana.
No processo penal, a doutrina tende a chamar de coisa julgada soberana a que se forma sobre a sentença absolutória, porque esta não pode ser alvo de rescindibilidade após o seu trânsito em julgado em hipótese ou tempo algum; e de coisa julgada “tout court” a que se forma sobre a sentença condenatória, que poderá ser rescindida a qualquer tempo, pela via da revisão criminal.
No processo civil, ao seu turno, a sentença, de qualquer espécie, pode sofrer alteração dentro do prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado, nas hipóteses previstas para propositura da Ação Rescisória.
Diante dessas constatações, vê-se a distinção de tratamento do instituto da coisa julgada nas duas esferas do direito: a penal e a civil, que mesmo com peculiaridades distintas, possui grande inter-relação, como por exemplo, no que diz respeito à execução civil da sentença penal como título executivo, assunto que ganhou novo gás com a reforma sofrida pelo Código de Processo Penal.

Referências Bibliográficas:

SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 1997.

DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004.

BAHIA, Kleber Morais. O princípio da segurança jurídica, a preclusão "pro judicato" e a coisa julgada frente ao artigo 475-B, § 3º do Código de Processo Civil. R2 Direito. São Paulo. Disponível em: http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/curso_oab_concurso_artigo_835_O_principi
o_da_seguranca_juridica_a_preclusao_pro_ . Acesso em: 24. Jun. 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004.

GOÉS, Gisele Santos Fernandes. Princípio da Proporcionalidade no Processo Civil. São Paulo: Editora Saraiva. 2004.

LIEBMAN apud DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo José C. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Bahia: Editora Jus PODIVM, 2007.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Editora Lumens Iuris, 2006.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 3º volume. 8ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 1985.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Coisa Julgada Penal. p. 01. Disponível em: www.direitoprocessual.org.br/dados/File/enciclopedia/Coisa_julgada_penal.doc - Acesso em: 22. Ago. 2008.