quarta-feira, 20 de maio de 2009

Coisa Julgada

Autoria: Maria Angélica Moraes da Silva

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A COISA JULGADA


O princípio da segurança jurídica consiste no “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e seus fatos a luz da liberdade reconhecida”. Assim, o valor da segurança jurídica está especialmente relacionado com a necessidade de assegurar a estabilidade dos direitos subjetivos de cada cidadão.
Diante destas premissas, podemos afirmar que, quando uma pessoa provoca o Estado-juiz, há a presunção de que o litígio seja analisado e julgado, sendo garantido pela Constituição Federal que o processo será regido com imparcialidade pelo magistrado, que será dado o direito de resposta às ações praticadas pelas partes, e que aquilo que foi determinado, após o trânsito em julgado da decisão, será respeitado.
O princípio de proteção à confiança3, assim, é o mínimo de previsibilidade que o Estado de Direito necessita oferecer ao cidadão, concernente às normas de convivência que este deve observar e qual delas poderá utilizar para travar relações jurídicas válidas e eficazes.
Além disso, o decisum emitido pelo Poder Judiciário deve exprimir confiança a quem o procurar para resolução do litígio, configurando que há a prática do princípio da moralidade, boa-fé e da lealdade.
Destarte, a segurança jurídica é o mínimo preciso de previsibilidade que o Estado deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes, de modo a ter garantida a proteção dessa relação.
O art. 5º, XXXVI da nossa Carta Magna, que implicitamente contém o princípio da segurança jurídica, protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Neste artigo, nos será importante levantar a questão sobre a proteção dada pelo referido artigo à coisa julgada.

COISA JULGADA

A coisa julgada é, de certo modo, um ato jurídico perfeito. Dessa forma, sua proteção já estaria sendo realizada pelo inciso XXXVI do artigo 5º quando da proteção deste último, mesmo que não fosse expressamente prevista. No entanto, o constituinte, diante da relevância da coisa julgada para a teoria da segurança jurídica, contemplou a proteção expressamente para o instituto.
Essa garantia constitucional à coisa julgada, além do que é disciplinado pelo ordenamento infraconstitucional, recebe legitimidade política e social, uma vez que conferem segurança as relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.
Deve ser destacado, no entanto, que a produção da decisão definitiva, a sua imutabilidade concedida através da coisa julgada, bem como o tempo que se leva para o alcance daquele fim (princípio da celeridade processual), carecem estar em pleno equilíbrio com a ponderação, para a produção de julgados justos. Destarte, o processo deve ser realizado de modo a produzir resultado justo, tão logo quando possível, sendo a decisão coberta pelo manto da coisa julgada.
Acrescenta Chiovenda, e com ele grande parte da doutrina, que a sentença é a afirmação da vontade da lei aplicada ao caso concreto. Na sentença há a afirmação, de modo concreto, da vontade contida na lei. Assim, o preceito contido na sentença é a afirmação da vontade da lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado.
O instituto da coisa julgada, por sua vez, é o grau máximo de estabilidade dos atos estatais, sendo definida por parte doutrina como a imutabilidade do conteúdo da sentença e de seus efeitos. Há, no entanto, doutrinadores que entendem que a coisa julgada recai apenas sobre o conteúdo da sentença.
Diante disto, a sentença, como vontade da lei sendo aplicada ao caso concreto, quando acobertada pela coisa julgada não mais poderá sofrer transformações, a princípio. A ressalva apresentada se dá em razão da coisa julgada, ainda que seja verdadeira autoridade de lei entre as partes, poder ser ameaçada pela propositura de Ação de Revisão Criminal no juízo criminal ou de Ação Rescisória no juízo cível.
Essa possibilidade de nova análise, dentro das hipóteses das ações de rescindibilidade de decisão final, faz-se necessária para que o ordenamento garanta a segurança de indiscutibilidade de sentença que não mais tem o que ser proposto contra ela após determinada sua imutabilidade.
O valor que penetra a coisa julgada como instituto é o do princípio da segurança nas jurídicas, gerando a estabilidade necessária ao nosso sistema jurídico, estabilidade que o mesmo não pode se desfazer.
Quanto à natureza do instituto da coisa julgada há na doutrina três entendimentos a ser destacados: o que considera a coisa julgada uma qualidade; outro que entende ser ela um efeito; e por fim, que entender ser a coisa julgada uma situação jurídica.
A doutrina encabeçada por Liebman considera que o instituto da coisa julgada é a qualidade que a sentença adquire depois de transcorrido o trânsito em julgado, tornando-se indiscutível e imutável.
Outra corrente doutrinária, porém, afirma ser a coisa julgada um efeito da sentença. No entanto, tal teoria possui como principal crítica o fato de que a imutabilidade e indiscutibilidade concebida a sentença quando coberta pelo manto da coisa julgada não é algo co-natural, e sim uma opção legislativa.
A última doutrina a ser apresentada é a que defende ser a coisa julgada uma situação jurídica. Isto porque, com o trânsito em julgado da sentença, surge uma nova situação, anteriormente inexistente, que seria a indiscutibilidade e imutabilidade que a sentença passa a ter.
No entanto, nos parece acertado dizer que a corrente mais coerente é a que defende ser a coisa julgada uma qualidade da sentença, uma vez que esta passa a ter a predicado da imutabilidade e da indiscutibilidade.
O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 467 que se denomina coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Diante do dispositivo podem ser retiradas algumas conclusões: influenciado o legislador pela teoria de Liebman, o referido código distingue a coisa julgada material da formal; diante desta distinção, apenas a coisa julgada material é protegida pelo condão da imutabilidade.
Deve ser esclarecido que não há dois institutos independentes, quais seja a coisa julgada formal e a material. Em verdade, trata-se do mesmo instituto, mas sob aspectos distintos, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas.

a) COISA JULGADA FORMAL

A coisa julgada formal pode ser conceituada como a sentença que não é mais suscetível de reforma por meio de recursos, depois de decorrido o seu trânsito em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. A coisa julgada formal consiste, assim, em um fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos, pondo fim aos processos.
Isto significa dizer que, quando estiverem esgotados os recursos previstos em nosso ordenamento, seja porque houve perda do prazo para sua interposição, seja porquetodos os recursos cabíveis foram utilizados e julgados, ocorrerá a coisa julgada formal, sendo em verdade, o encerramento da relação processual.
Diante desta definição cabe destacar que as sentenças processuais, que extinguem o processo sem o julgamento do mérito, alcançam apenas o patamar da coisa julgada formal, não tendo o condão portanto de produzir efeitos extraprocessuais.
A coisa julgada formal por torna imutavel a decisão, como ato processual, é condição prévia para que a coisa julgada material ocorra.

b) COISA JULGADA MATERIAL

Ao seu turno, a coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, não importando se a sentença foi procedente ou improcedente, se constitutiva, condenatória ou declaratória, pois no momento em que não for mais possível a interposição de recursos, entre as partes que tiveram seu litígio julgado, surge uma situação de grande firmeza quanto aos direitos e obrigações envolvidos no litígio. Esse status transcende o próprio processo, atingindo as pessoas e sua realidade.
Esta questão não se trata de imunizar a sentença como ato jurisdicional, mas seus efeitos que se projetam para fora do processo e atingem as pessoas em suas relações – Candido Rangel acrescenta que daí advém à grande relevância social do instituto da coisa julgada material que a lei constitucional e processual civil protege.
Tanto é verdade de que a coisa julgada material transcende para fora do processo, que nenhuma lei posterior tem o condão de modificar aquilo que ficou decidido e que por ela foi acobertado, por representar um núcleo imodificável, ou imutável segundo doutrina Liebman.
Em revisão sobre a questão temos que: a coisa julgada material é a imunidade dos efeitos da sentença, como já salientado anteriormente, que acompanha as partes interessadas, ainda que findo o processo. Por seu turno, a coisa julgada formal é o fenômeno interno do processo, tendo-se a sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.

c) DISTNÇÃO ENTRE A COISA JULGADA NA ESFERA PENAL E NA ESFERA CÍVEL

Assim, transitada a sentença penal condenatória em julgado fica esta coberta pelo manto da coisa julgada. Entretanto, como já ressalvado, a coisa julgada na esfera penal tem a possibilidade rescindibilidade de Ação de Revisão Criminal, que conforme preceitua o Código de processo Penal, pode ser proposta a qualquer tempo, não sendo considerada por alguns autores como uma coisa julgada soberana.
No processo penal, a doutrina tende a chamar de coisa julgada soberana a que se forma sobre a sentença absolutória, porque esta não pode ser alvo de rescindibilidade após o seu trânsito em julgado em hipótese ou tempo algum; e de coisa julgada “tout court” a que se forma sobre a sentença condenatória, que poderá ser rescindida a qualquer tempo, pela via da revisão criminal.
No processo civil, ao seu turno, a sentença, de qualquer espécie, pode sofrer alteração dentro do prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado, nas hipóteses previstas para propositura da Ação Rescisória.
Diante dessas constatações, vê-se a distinção de tratamento do instituto da coisa julgada nas duas esferas do direito: a penal e a civil, que mesmo com peculiaridades distintas, possui grande inter-relação, como por exemplo, no que diz respeito à execução civil da sentença penal como título executivo, assunto que ganhou novo gás com a reforma sofrida pelo Código de Processo Penal.

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